Só quero salvar 3 pessoas

(texto também publicado no Promenino)

Help in a difficult situationHá algumas semanas quando assisti mais uma vez a o filme O Núcleo – Missão ao Centro da Terra (The Core, 2003), em uma cena do filme, acabei me deparando com a resposta para uma conversa que tive uns dias antes com um amigo… sobre como, às vezes, nos sentimos frustrados com o resultado de nosso trabalho – mesmo quando colocamos todo o esforço, tempo, pensamento, e nos privamos da vida pessoal, o impacto (positivo) que causamos é pequeno. Pequeno?

No filme Missão ao Centro da Terra (não me refiro ao filme “Viagem ao Centro da Terra”, de 1959 ou 2008), o núcleo da Terra parou de girar e o campo eletromagnético do planeta começa a se deteriorar rapidamente. Um geofísico (Josh Keyes) e uma equipe de cientistas fazem uma viagem ao núcleo da Terra numa nave especial, com a missão de detonar uma bomba nuclear para reativar o núcleo.

Em uma cena, o geofísico (Josh Keyes) “pira” com a pressão desta missão de salvar o mundo da destruição. Um dos cientistas (Tchéky Karyo) lhe diz então: “Minha missão é salvar 03 pessoas, minha esposa e minhas duas filhas. Não quero carregar a responsabilidade de salvar a Terra – apenas de salvar estas três pessoas”.

Mas, salvando estas três pessoas, ele está salvando o planeta.

A reflexão desta passagem é que, em nosso trabalho no terceiro setor, muitas vezes nos pegamos aborrecidos pelo tamanho esforço que realizamos para ações que aparentemente salvarão apenas 03 pessoas.

Tomemos por exemplo um projeto, a ser desenvolvido no Estado de Minas Gerais, cujo objetivo é realizar atividades com 500 crianças entre 6 e 15 anos, que se encontram vulneráveis ou em situação de trabalho infantil…

Oras… em Minas Gerais existem 96.273 crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos ocupadas, de um total de 1.687.585 crianças nesta faixa de idade. 96 mil! Temos ainda que levar em conta que muitos casos não são identificados por omissão dos pais, principalmente aqueles casos de formas mais violentas de trabalho – a exploração sexual e o trabalho escravo. E o público alvo do projeto amplia a faixa etária…

Se aprofundarmos a pesquisa estatística, acabaremos frustrados em atender apenas 500 crianças… Mas será que nosso papel é mudar a situação, as pessoas? Todas elas? Ou será que nosso papel é sensibilizar, esclarecer, instrumentalizar as pessoas para que elas mudem – diante de uma decisão que é só delas?

A transformação das pessoas é realizada por elas – nós somos apenas semeadores. E, no final, nós acabamos transformando a nós mesmos, com o que aprendemos e observamos, e que nos leva a refletir sobre nossa vida, nossas ações.

Assim… sim! Transformar a vida de 500 crianças, ou melhor, criar condições para que 500 crianças e suas famílias possam transformar suas vidas, faz diferença.

Afinal, parafraseando o cientista do filme, eu só quero salvar 03 pessoas… não aguento a responsabilidade e expectativa de salvar todos(as). O mundo ser salvo será uma consequência natural da ação de todos nós, juntos.

P.S. Acabo de me dar conta que chamamos equivocadamente de primeiro setor o governo, de segundo setor a indústria e comércio, e terceiro setor a sociedade civil organizada. Acho que esta classificação está errada… a partir de hoje chamarei de primeiro setor a sociedade civil, as pessoas…

7 comentários em “Só quero salvar 3 pessoas

  1. É isso Edson, não dá pra salvar o mundo, não dá pra mudar o mundo inteiro, mas cada vida que tocamos está interligada à muitas outras e a mudança desencadeia um série de outras mudanças que demora para vir à tona e ser percebido.
    É melhor ser uma gota no oceano do que não fazer parte dele.
    E vamos que vamos!!!!
    Parabéns pela reflexão!!!!
    Nadja.

  2. Concordo com você. Acho que para o mundo mudar, as pessoas têm que mudar a forma de pensar o mundo. Enquanto todos permanecerem com uma ideia egoísta a respeito da nossa existência, as coisas continuarão exatamente como estão. Certo dia assisti a uma palestra em que o palestrante falou sobre um policial norte americano em serviço que, numa noite fria em Nova York, parou o seu carro ao ver um morador de rua morrendo de frio e o ajudou comprando, com o seu dinheiro, um par de botas e alimento para o mendigo. Isso foi registrado por uma pessoa que passava no momento e colocado no you tube (http://www.youtube.com/watch?v=yyY0mndrqhY). O policial virou celebridade por isso. Você já pensou se todas as pessoas do mundo reservassem um pouco do seu tempo para ajudar alguem, como o mundo seria diferente? Muitas vezes o egoísmo não permite isso, infelizmente. Vamos fazer a nossa parte! Abraços. Wagner.

  3. Edson, ótima reflexão. A “Teoria do Caos” popularmente conhecida como Efeito Borboleta, coloca que o bater de asas de uma simples borboleta poderia influenciar o curso natural das coisas e, assim, talvez provocar um tufão do outro lado do mundo. Se o mundo tivesse a noção que uma simples ação pode provocar resultados surpreendentes, viveriamos num mundo melhor.

  4. Trabalhar no terceiro setor(primeiro, como você disse que iria chamar) é desafiante e nos proporciona um grande crescimento, transformação, até mesmo sobre nossos conceitos. Trabalho no terceiro setor desde 1991, e vendo de lá para cá, fazendo uma análise vejo a quanto contribuimos para que vidas sejam melhoradas, transformadas, porém de fato essa é uma decisão que cabe a cada um individualmente se quer ou não. Oferecer, oportunizar meios é o que fazemos e isso na minha opinão já faz toda a diferença. Mas ser transformada, mudar de fato é uma decisão que cabe a cada um. Se nesse meio todo conseguirmos que por exemplo de 500, 20 optem por essa transformação pode acreditar, já valeu muito a pena. Isso a gente vai aprendendo com o passar dos dias, pois quando comecei a ansiedade era mais pela quantidade, do que pela qualidade, hoje vejo que mesmo em bem menor número (que seja) mas a qualidade faz mais diferença que a quantidade e muitas vezes essa transformação de 20 pode se tornar um efeito dominó, porque pode chamar a atenção de mais 20, mais 10 e assim sucessivamente, ver o efeito na vida de tal pessoa abre horizontes para querer mudar, transformar.
    Vale a pena contribuir para transformar a vida de alguém, na verdade as vezes o maior beneficiados somos nós mesmos.

  5. Edson, bacana a reflexão-provocação! Acredito que tua análise remete para aquelas ações que todos podemos fazer todos os dias, e menos aquelas receitas economicistas mirabolantes para o fim da pobreza e de todos os males da terra. A chance de fazer a diferença e as mudanças necessárias é a soma dos esforços coletivos aqui e acolá!

  6. Amigo Edson, Uma vêz perguntaram para Madre Teresa de Calcutá como ela conseguia dar conta de tantos doentes. Resposta simples: “Um por vez!”

  7. Querido sobrinho Edson, Eu gosto muito de uma ilustração e reflexão que fala de um jovem que todas as manhãs andava apressado na praia de um lado para o outro recolhendo todas as estrelas – do – mar que ficavam na ária e as jogava-as de volta para o oceano o mais longe possível.

    Um escritor que sempre caminhava por ali argumentou: Meu caro jovem, existem milhões de estrelas – do – mar morrendo neste momento, pelo litoral do mundo todo. Você não vai conseguir salvar todas. Seu papel é um tanto de tolo, não acha? Para que tanto esforço, se a maioria não vai conseguir sobreviver? Que diferença esse seu gesto faz?

    O Jovem sorriu, abaixou-se, apanhou mais uma com suas mãos, mostrou-a ao escritor, lançou-a ao mar o mais distante que pode e disse: para esta e para as poucas que consegui devolver ao oceano faz…

    O escritor saiu dali impressionado, vendo tanta sabedoria em alguém tão jovem e tão simples. Passou a refletir sobre o caso. Aquele encontro mudou a vida do escritor e todos os dias, em sua caminhada matinal, parava junto àquele adolescente, e atirava algumas estrelas de volta ao mar.

    Entendo que o importante é ajudarmos dentro de nossas possibilidades a quem deseja e necessita ser ajudado.
    O mundo gira todos os dias, para o nosso conforto, socorro, bel-prazer… E ai de nós se assim não fosse… Ele não se preocupa com reconhecimentos. Ele faz. Ele gira…

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