Quando criança, me lembro de uma situação corriqueira onde o “dono da bola” interrompia o jogo de futebol se seu time estivesse perdendo ou se o jogo não se desenrolasse como ele queria.
O que estamos assistindo nos desdobramentos das eleições dos Estados Unidos pode ser ilustrado como: um moleque mimado, desprovido de qualquer respeito por seu adversário e, mais grave, que desrespeita também que o outro time tem mais indivíduos que o seu time!
Já havia indícios e declarações abertas de que, se os resultados fossem desfavoráveis, Trump iria contestar os resultados das eleições judicialmente. Mas ele consegue se superar ao submeter recursos para interromper a contagem te votos – e incentivar seus apoiadores a protestar e clamar para o jogo acabar, antes que o adversário confirme sua vitória.
Este é o líder (?) da nação autodenominada a mais democrática do planeta!
O que pode acontecer…
Se Trump conseguir interromper o jogo ou ser reeleito judicialmente, será estabelecido um precedente muito perigoso: nações democráticas poderão ter eventos semelhantes em futuras eleições… o voto deixa de ser reconhecido como instrumento principal da democracia… ou seja, a democracia como conhecemos está fadada a desaparecer.
Sim – estou me referindo à futura reeleição do Brasil em 2022, onde o atual presidente Bolsonaro já “papagaiou” Trump em colocar em dúvida os resultados das eleições que o elegeu (sem nenhuma prova ou evidência apresentada), antecipando ação futura no momento das reeleições.
Se a justiça e democracia prevalecer, e Biden for eleito por alcançar a maioria dos votos (de acordo com o sistema eleitoral americano), corremos um risco enorme de ruptura civil nos Estados Unidos
Isto não apenas afetará todo o mundo como como consequência imediata de uma crise financeira nos Estados Unidos, mas abre espaço para que apoiadores truculentos e inconsequentes desafiem resultados de eleições em outras democracias.
Sim – mais uma vez me refiro ao Brasil, onde os apoiadores de Bolsonaro apoiam o acesso e porte de armas a todos os cidadãos e respondem aos debates e desafios de forma pessoal, direta, e violenta.
Receita para um desastre
Qualquer que seja o resultado, adicione à este caldeirão os (des)valores que os dois presidentes (Trump e Bolsonaro) têm permitido crescer exponencialmente nos respectivos países, como a xenofobia, homofobia, desrespeito às mulheres, racismo, desrespeito à imprensa e à sociedade civil organizada, e estaremos à beira de uma guerra civil.
Vale lembrar uma vez mais: estamos falando de democracias que se orgulham de ser exemplo para o mundo (os Estados Unidos) e para a América Latina (o Brasil). Em que estas democracias diferem de países autocráticos onde os líderes impõem seu desejo de permanecer no poder, seja pela força, seja por artifícios judiciais ou administrativos sem qualquer embasamento ou evidência comprovada?
Populações estão divididas e, mais do que não conseguir mais dialogar, não aceitam que o outro time ganhe. Parentes deixam de se falar, vizinhos se agridem… as relações sociais estão destruídas, o entendimento do que é sociedade está ameaçado tanto quanto a definição de democracia.
O churrasco depois da partida
Quando meu joelho ainda me permitia jogar partidas de futebol, me lembro bem que dentro de campo havia a rivalidade, correria, gritaria, e até mesmo xingamentos. Mas, quando o juiz apitava gol… era gol, e o placar era aceito por todos.
Ao final do jogo, fazíamos um churrasco (para os dois times) para celebração e confraternização, partilhando a mesma mesa. Afinal… viria adiante mais uma semana (4 anos) de árduo trabalho, até que nos encontrássemos novamente no fim de semana seguinte para mais uma partida (eleição).
Gostaria de ser mais otimista… mas as cenas que se desdobram mostram que o dono da bola prefere furá-la do que perder o jogo… e atrás dele todo o seu time o apoia e compartilha seus (des)valores… e eles estão todos armados e furiosos.
Parece que não vai ter churrasco.