O caos da mobilidade urbana

“O cliente pode ter um carro pintado com a cor que desejar,
contanto que seja preto.” (Henry Ford)

Não quero carro. Minha decisão não é apenas uma postura apenas ecologicamente correta, ou apenas para acompanhar as correntes sociais do pró-bike. É isso, e mais que isso. É uma questão de praticidade, de respeito ao outro, de abrir mão do prático para mim em detrimento do melhor para a coletividade.

Se locomover nas grandes cidades nos tempos atuais se tornou um exercício de paciência e tolerância, uma parcela significativa de nossa jornada de trabalho , onde é difícil encontrar formas ou estratégias para que seja prazerosa ou, ao menos, suportável.

Mas como seria suportável (ou prazeroso) dirigir por ruas esburacadas, desviando de motoristas imprudentes ou que parecem ter seu Falling Down… todos os dias, ser vítima do artigo 158 do Código Penal Brasileiro através de insistentes limpadores de para-brisas e flanelinhas, desembolsar fortunas por um estacionamento (minúsculo, descoberto e empoeirado)? Como?

Na recente edição 2214/36 da IstoÉ, Ana Paula Padrão fala de recordações, da saudade de “andar de carro com a janela aberta”…saudade que também sinto mas que não poderei matar, porque posso morrer… em um assalto.

Alie-se a tudo já dito o quanto é caro ser proprietário de um carro: parcelas intermináveis para quem faz uso de um financiamento, IPVA, seguro obrigatório, seguro particular, revisões, manutenção… e não tentem me convencer que a redução de IPI é um benefício! Pode até ser, mas não para o consumidor, e sim para a indústria que fatura mais e mais rapidamente.

O que fazer?

Os serviços de transporte público não comportam a demanda de passageiros: atrasam, vivem lotados, sem conforto – motoristas de ônibus que dirigem como se estivessem sozinhos em seus carros (curvas, partidas e freadas de um Fórmula1). Ciclovias que não existem… quando existem estão em péssimas condições ou inacabadas… e, em raras localidades em que estão em perfeito estado, voltamos aos motoristas imprudentes que não as respeitam (incluindo os de ônibus).

O que fazer?

Em recente edição do Diário de Pernambuco foi apresentada uma matéria originalmente publicada em 10 de abril e 1966, intitulada “O que fazer com 25 mil carros nas ruas”, que reproduzo a seguir:

Capital Pernambucana enfrenta os problemas da falta de planejamento

“Tendo surgido de pequeno aglomerado humano em torno de um ancoradouro, cortado por dois rios e a desenvolver-se, através dos anos, sem qualquer esforço sério de planificação, o Recife teria de ser hoje o que é: cidade com sistema de comunicações falho e irregular entre suas diversas zonas. O crescimento rápido de sua população, nos últimos anos, as ruas estreitas dos bairros mais antigos e centrais, o pequeno número de pontes para circulação de um número sempre crescente de veículos motorizados – hoje atingindo a cifra de 25 mil – tudo isso constitui verdadeiro desafio às autoridades, arquitetos e técnicos em urbanismo”.

Segundo dados do Detran-PE, Recife encerrou o ano de 1966 com 26.954 veículos – apenas o Recife. Em Pernambuco eram quase 52 mil veículos. Espantoso? Ainda não… assustador mesmo é que, em fevereiro de 2012, chegamos à 577.106 veículos na cidade do Recife, 1.040.441 na Região Metropolitana (RMR), e 2.105.927 em todo o Estado. Em média são 2.500 novos veículos nas ruas todos os meses – quase 10% da frota total em 1966.

Automóveis, mobilidade, ir daqui pra ali com rapidez… é uma necessidade. Não discordo disto. Mas, famílias com 4 membros que possuem 3…4…às vezes 5 carros, não posso concordar.  Há muito que se fazer para que possamos encontrar alternativas de mobilidade pública ou mobilidade “limpa” (bikes, por exemplo), e estas ações dependem do governo, em suas diversas instâncias. Porém, não sejamos hipócritas em depositar toda a responsabilidade apenas no poder público.

A decisão por um uso mais coerente dos automóveis, por uma melhor educação no trânsito, por reduzir o consumismo justificado pela mobilidade, é nossa, individualmente e coletivamente. Não adianta culpar a sujeira (engarrafamento) na rua se somos os primeiros a jogar o papel no chão (dirigir mal, ter um carro para cada membro da família, e ser intolerante e impaciente com o condutor e o ciclista ao lado).

Em tempo…
Já que falamos de Caos… wikipediando…

Caos (do grego Χάος, transl. khaos) é, segundo Hesíodo, a primeira divindade a surgir no universo, portanto o mais velho dos deuses. A natureza divina de Caos é de difícil entendimento, devido às mudanças que a ideia de “caos” sofreu com o passar das épocas.

Inicialmente descrito como o ar que preenchia o espaço entre o Éter e a Terra, mais tarde passou a ser visto como a mistura primordial dos elementos. Seu nome deriva do verbo grego χαίνω, que significa “separar, ser amplo”, significando o espaço vazio primordial.

Em uma interpretação moderna e ligada a este post, poderia dizer que o deus Caos não existe, porque seria o ar que preenche o espaço vago entre uma esquina e outra, ou seja, nenhum.

4 comentários em “O caos da mobilidade urbana

  1. Excelente artigo e oportunas observações. Acho até que você deveria cursar jornalismo. seria um bom colunista.

    J. Geraldo.

  2. Oi Edson! Belo post o seu, hein.
    Veja o meu caso: moro em Itapevi, 30km de SP. Trabalho e estudo por aqui mesmo, ou seja, raramente preciso visitar a capital. Aqui, tenho a 10 minutos de casa linhas de ônibus que me ligam a vários lugares de SP, sem contar a linha de trem que passa na minha cidade, que é integrada ao metrô. Tenho 24 anos, não sei dirigir, não tenho CNH. e sou severamente cobrado por isso. Descobri que ter um carro se tornou muito mais um símbolo do Status social do que um meio de transporte … triste isso… ( Edson, desconsidere o outro comentário que enviei e publique esse… me atrapalhei com o touch screen, só pra variar…rsrsrs
    Até! Ótimo blog o seu!

    1. Bruno,

      Obrigado pelo comentário, e elogio. Você é privilegiado em morar perto do trabalho e estudos. Concordo que carro se tornou símbolo de status. Aliás.. já é assim há muito tempo. O problema é que agora a quantidade de carros é símbolo de status… vamos ver onde isso vai dar. Abraços!

  3. Em tempo…
    Reportagem de capa do Diário de Pernambuco, de 29 de abril de 2012, traz como chamada “Ônibus vazios e carros parados”. A matéria só corrobora o que aqui foi escrito.

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