Após uma recente pesquisa sobre o futuro do apadrinhamento de crianças (Sponsorship) em projetos conduzidos por organizações não governamentais (ONGs), me preocupou o fato de não ter encontrado nenhuma reflexão, texto, vídeo, talk (TED) sobre o futuro desta forma de filantropia.
Estamos deixando de lado uma questão fundamental: qual será o futuro deste modelo de apoio a crianças carentes?
Mas… como funciona o apadrinhamento?
A grande maioria dos modelos se baseia na contribuição mensal de um padrinho a uma ONG que identifica uma criança, acompanha e garante alimentação e acesso a serviços básicos (como educação e saúde). Através da contribuição mensal, o padrinho passa a se corresponder com a criança, através de cartas – e assim acompanha todo o seu desenvolvimento e a melhoria da qualidade de vida que sua contribuição proporciona. Os recursos não são enviados diretamente à criança, exceto presentes e ajudas específicas, também monitoradas através das ONGs.
Em países muito carentes, cuja estrutura governamental não consegue atender a demanda de educação e saúde para a população, as ONGs acabam por desempenhar este papel, oferecendo estes serviços a partir deste recurso recebido do padrinho. No Brasil, as ONGs procuram buscam não substituir o papel do Estado na oferta dos serviços básicos. Assim, disponibilizam educação e atividades complementares à educação básica através de projetos sociais direcionados às crianças. Porém, somente crianças que estejam matriculadas e frequentando escolas são elegíveis para serem apadrinhadas.
Estudo publicado pela University of Chicago Press indica que o apadrinhamento internacional aumenta em 27% a 40% as chances de uma criança completar o ensino secundário, de 50% a 80% de completar a universidade, e em cerca de 35% de alcançar um trabalho de “colarinho branco” quando adulto.
Os recursos dos padrinhos é ainda aplicado em atividades com as famílias e comunidades, no sentido de capacitá-los para monitorar e exigir melhoria dos serviços prestados pelo governo, e para garantir o desenvolvimento do entorno familiar e comunitário da criança.
À frente deste processo se encontram “grandes” ONGs, que possuem a capacidade de realizar campanhas, alcançar estes padrinhos e direcionar os recursos para organizações de base comunitária para que ocorra a oferta dos projetos às crianças.
É papel fundamental destas ONGs (o mais importante) impedir o contato não monitorado entre os padrinhos/madrinhas e as crianças – com o intuito de garantir a integridade da criança. Além disto, as ONGs garantem aos padrinhos a qualidade das atividades oferecidas às crianças, suas famílias e comunidades.
E qual o problema, então?
Na atualidade, o Brasil é visto pela comunidade internacional como um país rico. Entende-se que, apesar das desigualdades sociais, o Brasil é capaz de resolver seus próprios problemas. Esta imagem de nosso país tem causado uma queda do número de estrangeiros que apadrinham crianças brasileiras – uma queda ainda não acentuada, mas constante.
Pergunte a um potencial padrinho europeu se ele prefere apadrinhar uma criança no Brasil, no Haiti ou em um país africano. Pergunte a si mesmo…
Por outro lado, não há uma cultura de apadrinhamento nos brasileiros. Os próprios brasileiros (ou uma boa parte deles) acredita que o governo deveria resolver este problema. O Governo, por sua vez, não resolve… e não permite que esta cultura se desenvolva, já que nossas leis de isenção ou restituição de impostos não permite que pessoas físicas deduzam doações feitas em processos de apadrinhamento.
Mas… então, não bastaria que as ONGs oferecem atividades apenas para a quantidade de padrinhos existentes? Não funciona bem assim…
O processo deixa recursos ao longo do caminho. Todas as cartas enviadas pelos padrinhos às crianças, ou o inverso, são lidas (lembra-se da proteção das crianças?). A maior parte destas cartas precisa ser traduzida. O volume de cartas é tão elevado que algumas organizações contam com parceria com os Correios para possuir um centro de processamento próprio.
Assim, com um número reduzido de crianças, não é possível manter esta estrutura de garantias que existe, e cujo custo é elevado. Apenas com um processo em larga escala pode-se manter esta estrutura intermediária necessária.
Quais seriam, então, as alternativas?
Apadrinhamento de escolas/organizações de base comunitária
Atualmente, o processo de apadrinhamento funciona em um formato de 1 padrinho para 1 (ou mais) criança. É este volume quase inimaginável de correspondências e um monitoramento individual de cada criança que torna o processo tão custoso.
A partir do apadrinhamento de escolas, o monitoramento se torna mais simples: garantia de que há um número mínimo de crianças na escola/organização social de base; garantia da qualidade da oferta de atividades para crianças e adultos.
Também será possível contornar o problema do ponto de saturação: em uma comunidade com 200 crianças, somente podemos ter 200 padrinhos. A partir do apadrinhamento de uma organização social de base, podemos ter 400 padrinhos que mantém as atividades para 200 crianças, por exemplo.
Apadrinhamento corporativo
Esta solução se assemelha à do apadrinhamento de escolas/organizações de base comunitária acima, porém com o diferencial que, no lugar de 01 indivíduo apadrinhar a escola ou organização, uma empresa seria o sponsor.
Uma das vantagens é que, enquanto pessoa jurídica, a empresa pode descontar do imposto de renda parte de sua doação. Desta forma, no lugar de cada um dos empregados (aqueles que optarem por participar) doarem, a empresa descontaria o valor dos contracheques e faria a doação diretamente.
Já tive contato com alguns casos onde a empresa, em virtude de seu benefício fiscal, paga metade do valor do apadrinhamento e o funcionário a outra metade.
Todos saem ganhando: o funcionário pode apadrinhar com um valor mais baixo, a empresa tem dedução fiscal, e tanto a empresa como os funcionários podem agregar valor à imagem corporativa.
O processo de comunicação se torna também menos custoso – trata-se de “um padrinho” empresarial… e, ficará ainda menos custoso se o apadrinhamento for de uma escola ou organização, e não de crianças, individualmente.
Uso de novas tecnologias para comunicação criança-padrinho
A democratização do acesso a novas tecnologias (redes sociais) cria ao mesmo tempo uma solução e um risco. Uma das maiores preocupações das ONGs que atuam com processos de apadrinhamento é a proteção da criança, através do monitoramento da comunicação entre ela e seu padrinho/madrinha.
No Brasil, este monitoramento torna-se quase impossível com a crescente democratização do acesso à Internet, e a possibilidade de padrinhos/madrinhas e crianças “se encontrarem” virtualmente.
Neste caso não há solução simples – mas não podemos simplesmente “deixar para lá”. Esta comunicação virtual já existe e deveríamos encarar não como apenas um risco, mas como uma oportunidade de reduzir os altos custos de comunicação do apadrinhamento.
Já há “pilotos” em curso para utilizar plataformas virtuais (paralelas, não abertas) para esta comunicação. Mas este não é o caso… o FaceBook está aí, e devemos usá-lo ou ele irá nos atropelar.
Devemos lembrar que há padrinhos e madrinhas que preferem receber as cartinhas, ver a letra ou desenho da criança, sentir o cheiro do papel e guardar o selo do envelope.
Inversão da lógica de apadrinhamento
Em minha opinião, esta será a solução para o apadrinhamento 1 a 1 tradicional. Por inversão da lógica, entende-se a inversão do fluxo de recursos: o padrinho não mais faria sua contribuição mensal a uma “grande” ONG, e sim diretamente a uma organização de base comunitária.
Desta forma, a ONG que anteriormente era uma intermediária (necessária), não mais necessitaria de uma estrutura “pesada” (administração, recursos humanos, TI, etc.). Seria necessário apenas que esta ONG tivesse uma equipe reduzida.
Seu papel mudaria significativamente. No lugar de administrar estes recursos e garantir a qualidade das atividades oferecidas às crianças, a ONG focaria apenas neste último aspecto.
A organização de base comunitária seria certificada – como acontece hoje com o Comércio Justo ou com os produtores orgânicos. Desta forma, os padrinhos/madrinhas teriam a certeza que a organização social de base que escolhesse segue um alto padrão de qualidade, tem uma boa governança, e um processo administrativo transparente e bem conduzido.
Mais recursos chegariam “à ponta”, permitindo uma sobrevida do atual processo de apadrinhamento 1 a 1. Idealmente, um plano de transição necessitaria ser colocado em prática: convidar os padrinhos a apadrinhar a organização (e não mais uma criança específica) e se estudar uma forma de selecionar os padrinhos e permitir sua comunicação direta com a criança – os padrinhos também seriam certificados.
Estas são apenas ideias que, se combinadas e testadas, poderiam se consolidar ou evoluir a partir da experimentação e avaliação de resultados. Ao menos, estaríamos testando novos modelos e buscando alternativas, no lugar de simplesmente tapar o sol com uma peneira.
Excelente! É muito importante buscarmos novos modelos e o aprimoramento dos que já existem, para o apadrinhamento.
Tivemos a oportunidade de conhecer pessoas que foram apadrinhadas quando criança, que hoje são adultos e profissionais bem sucedidos. Inclusive, muitos agora são padrinhos.
Gostei. Esse processo de apadrinhamento de Escola, permitiria que os Padrinhos se relacionassem diretamente com estas , verificassem em logo a qualidade, sem ser invasivo em relação a qualquer criança beneficiada. Há ainda a vantagem de que se uma criança sair da comunidade/escola, o apadrinhamento não seria afetado e beneficiaria qualquer outra criança inserida. E aquela criança que se movimentar para outra escola apadrinhada, continuará se beneficiando do Programa.
Mas, há outro problema: O Governo corrupto não tardará a minimizar os seus investimentos, deixando que os Padrinhos banquem tudo; e poderá ainda desviar recursos públicos, faturando à custa do gasto alheio. Não seria o caso de se apadrinhar apenas “PROGRAMAS ESPECÍFICOS NAS ESCOLAS”, em vez de se apadrinhar a própria escola ?